Maior acidente aéreo da história: Uma sequência de erros inacreditável que matou mais de 570 pessoas

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Você que tem medo de viajar de avião, sabia que o maior acidente aéreo da história aconteceu em solo?

Domingo, 27 de abril de 1977, uma pequena bomba explode em uma floricultura no aeroporto de Las Palmas sem maiores danos. Uma ligação anônima assume a autoria do atentado e diz ter outra bomba, o que decreta imediatamente o fechamento do aeroporto.

A outra bomba, que nunca foi encontrada, selaria o destino de mais de 500 pessoas que estavam a mais de 100km de distância.

Leia o texto e entenda como que uma sucessão de erros: falhas na comunicação, arrogância, pressa, cansaço, junto a uma ameaça terrorista bem distante dali, causaria o maior acidente aéreo até os dias atuais.

O Sonho das Férias Perfeitas

Ilhas Canárias, um arquipélago próximo à Costa Africana, na altura do Marrocos, composto de sete ilhas vulcânicas, pertencente à Espanha, por muitos anos um grande rival turístico das praias mais concorridas dos países mediterrâneos.

O clima ameno e agradável dessas ilhas sempre causou inveja aos países do norte da Europa.

Os portos de suas principais cidades, Santa Cruz e Las Palmas, sempre foram muito frequentados por navios cujos destinos eram a América do Sul ou o sul da África.

O paraíso de Las Palmas

Era verão, e também era grande o número de voos indo e vindo da Europa e do outro lado do Atlântico. 

Após a explosão de uma pequena bomba em uma floricultura do aeroporto de Las Palmas , toda a tranquilidade desse paraíso começou a ser alterada. 

Telefonando anonimamente da Argélia, alguém que se dizia integrante do “Movimento pela Independência das Ilhas” assumiu a autoria do atentado, e disse que havia outra bomba “plantada” no aeroporto de Las Palmas que explodiria em breve. 

As autoridades locais não tiveram alternativa que não a de determinar o fechamento do aeroporto até que fosse feita uma varredura minuciosa e a segurança estivesse garantida. 

Essa medida afetou, e muito, os inúmeros voos que chegavam e saíam de Las Palmas; algumas aeronaves estavam a menos de uma hora de voo dali.

As autoridades pretendiam superar esse problema com o envio desses voos para o aeroporto de Los Rodeos, na vizinha ilha de Tenerife, situada a apenas 100 km de distância.

O único problema seria a acomodação de tantos aviões de grande porte em um aeroporto não tão grande assim. Esse excesso de aeronaves iria testar em muitos aspectos a capacidade de Los Rodeos de lidar com tamanho volume de tráfego aéreo, e por algumas horas. 

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Esse era um aeroporto com um movimento muito menor, onde oficiais da Força Aérea espanhola faziam o controle de tráfego aéreo.

Tinha, na época um terminal de passageiros pequeno e uma única pista de pousos e decolagens, e sua capacidade de estacionamento para grandes aeronaves era bem limitada.

No entanto, o aeroporto de Las Palmas não deveria ficar fechado por muito tempo. Los Rodeos, então, era a única opção naquele momento.

Jacob Van Zanten, o piloto perfeito?

Entre as aeronaves desviadas para Los Rodeos estava um Boeing 747-200 Jumbo, da empresa aérea estatal (na época) KLM, da Holanda, Essa aeronave estava fazendo um voo fretado para uma agência de turismo.

Havia decolado de Amsterdã, na Holanda e levava 234 passageiros, entre os quais 48 crianças que fugiam alegremente do rigoroso frio europeu. 

Durante o voo, Os passageiros ficaram impressionados com o fato de que seu comandante era ninguém menos que o elegante e renomado Jacob Veldhuyzen van Zanten, piloto instrutor chefe do Boeing 747-200 naquela empresa.

O mesmo piloto que aparecia na edição daquele mês da revista de bordo da KLM,espalhada por todo o avião.

O comandante Van Zanten tinha 50 anos e 12.000 horas de voo; Já voava há 30 anos, e ultimamente passava a maior parte do tempo como instrutor de simulador no centro de treinamento da KLM. 

Jacob Van Zanten o piloto do KLM
O comandante do KLM Jacob Van Zanten.

O fato de um piloto passar a maior parte de seu tempo ministrando instrução de voo em simuladores gera vantagens e desvantagens; destas, uma é o afastamento da rotina diária de pilotagem e dos procedimentos aeroportuários.

Após um voo com quatro horas de duração, o Jumbo tocou o solo em Los Rodeos.

Os passageiros olhavam pelas janelas um tanto desapontados, pois o clima era frio, ventava bastante e o dia estava nublado. 

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O começo do caos

Para complicar mais um pouco a situação, todas as posições de estacionamento e parte de uma das pistas de táxi (movimentação no solo) estavam totalmente ocupadas.

Sendo o maior avião comercial do mundo na época, e sem ter onde acomodá-lo no pátio principal, o jeito foi fazer com que o KLM fosse posicionado junto com outros aviões em uma pequena área próxima de uma das cabeceiras da pista de pouso.

Os passageiros foram levados de ônibus ao terminal e, enquanto isso, a tripulação, que permanecera a bordo, discutia sobre a influência daquele atraso nos limites de sua “regulamentação trabalhista” para aquela jornada de trabalho. 

Alguns minutos depois, também desviado de Las Palmas, pousava em Los Rodeos outro Boeing 747-200, pertencente à PAN AM (Pan American World Airways), que vinha de Nova York, EUA, com 378 passageiros. A maior parte dos passageiros era de aposentados que se juntariam a um cruzeiro marítimo nas ensolaradas Ilhas Canárias.

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O comandante do PAN AM era Victor Grubbs, um veterano de 57 anos e 21.000horas de voo (uma senhora experiência).

Ao receber a notícia de que deveria se dirigir a  Los Rodeos, Grubbs ficou muito preocupado com seus também “veteranos” passageiros, pois a maioria deles já estava a bordo daquele avião há muito tempo, e um atraso desses poderia ter consequências indesejáveis sobre a saúde de alguns deles. 

Sentindo a possibilidade de que Las Palmas fosse reaberto em pouco tempo, o comandante americano pediu autorização para ficar orbitando (esperando sobre o aeroporto ou próximo a ele) em vez de pousar em Los Rodeos.

O PAN AM tinha combustível mais que suficiente para ficar um bom tempo orbitando.

Isso lhe daria a vantagem de ser o primeiro a pousar em Las Palmas, quando, finalmente, aquele aeroporto fosse reaberto.

Infelizmente, não se sabe o motivo, sua solicitação foi recusada e, sem escolha, a não ser se juntar aos aviões que já estavam no solo em Tenerife. Grubbs teve de pousar no aeroporto Los Rodeos, e foi posicionado ao lado do KLM.

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Correndo contra o relógio

Enquanto isso, a bordo do KLM o comandante Van Zanten ia ficando cada vez mais preocupado a respeito da regulamentação trabalhista.

Em tempos passados, segundo a lei holandesa, o comandante tinha autoridade para estender o tempo previsto pela regulamentação de modo a poder lidar com atrasos como aquele.

Entretanto, foram tantas as situações nas quais a extensão exagerada comprometeu a segurança do voo, causando a fadiga da tripulação, que esse direito havia sido revogado. 

A autoridade aeronáutica holandesa exigia que a lei fosse fielmente cumprida, mesmo sob pena de não ser possível completar o voo e ter de cancelá-lo.

Os comandantes que não cumprissem essa lei estariam passíveis de ser processados. 

Van Zanten estava ciente de que se o atraso se prolongasse por muito mais eles teriam que pernoitar em Los Rodeos, com todos os grandes problemas que isso envolveria, como arranjar acomodações para todos os passageiros e tripulantes em época de alta temporada sem ter feito reservas. 

Ele resolveu entrar em contato com a empresa, e foi informado de que poderiam “voar” até as 18h30, o que lhes dava certo alívio, mas não muito.

Problema resolvido, a lei do mais esperto.

Em seguida, todas as aeronaves foram avisadas de que o aeroporto de Las Palmas fora reaberto. Todos os passageiros do KLM, menos um, voltaram ao avião.

Uma funcionária da empresa de turismo que fretara o avião já havia cumprido sua função, e decidira ficar em Los Rodeos; uma decisão que salvaria sua vida. 

Aliviado pela informação dada pela companhia, Van Zanten decidiu ganhar tempo e reabastecer seu avião em Los Rodeos, pois estava prevendo uma espera considerável para obter combustível em Las Palmas, devido ao grande número de aeronaves que estariam por lá.

Essa decisão, embora tenha lógica, selaria para sempre o destino daquele voo e de seus ocupantes.

Dois funcionários da PAN AM embarcaram no Jumbo, aproveitando uma “carona” até Las Palmas.

O PAN AM ficou pronto primeiro, pois não havia optado por reabastecer como fizera o KLM, mas havia um pequeno detalhe.

Na posição em que estava estacionado, o KLM obstruía o caminho do PAN AM, e todo o resto do pátio também estava lotado de aviões. 

Arrogância e intransigência

Frustrados por estarem naquela situação, os pilotos do PAN AM entraram em contato com o KLM para saber quanto tempo levariam para finalizar o seu abastecimento.

Trinta e cinco minutos foi a resposta, seca e sem nenhum traço de polidez.

A possibilidade de tentar contornar o avião holandês existia, mas o comandante Grubbs não quis correr esse risco em um aeroporto que, na verdade, não havia sido projetado para acomodar aeronaves como aquelas, e estava apenas servindo de “quebra-galho”. 

O copiloto e o engenheiro de voo chegaram a descer e fazer uma medição,mas não havia espaço. Não havia o que fazer, teriam que esperar o KLM terminar seu abastecimento. 

Nevoeiro, pressa, falha de comunicação.

Enquanto isso o tempo piorava, e o aeroporto começava a ser encoberto por um denso nevoeiro. Enfim, o reabastecimento terminou, as portas foram fechadas e os motores do KLM Já estavam em funcionamento.

Nesse exato momento a pista já se encontrava totalmente encoberta por um banco de nevoeiro.

Para chegar até a cabeceira da pista que seria utilizada para a decolagem, cuja localização era oposta ao local onde estavam estacionados, as aeronaves deveriam entrar na pista e taxiar no sentido oposto ao de decolagem até atingir a cabeceira, pois a pista de taxiamento que normalmente seria utilizada estava servindo de pátio para outras aeronaves. 

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Ao chegar próximo da cabeceira de decolagem, um pouco antes as aeronaves deveriam sair da pista, por uma pista de táxi desimpedida, e por ela rumar até o ponto onde seriam novamente autorizados a entrar na pista e decolar; isso facilitava as manobras dos grandes aviões, que não precisariam fazer um giro de 180 graus para poder se alinhar com a pista na qual decolariam (ver esquema).

O KLM não foi instruído a fazer exatamente esse procedimento, mas a ir até final da pista e, sobre a cabeceira oposta, fazer os 180 graus e ficar parado, aguardando a autorização para decolagem, um procedimento conhecido como backtrack, e assim foi feito. 

A visibilidade era muito ruim por causa do intenso nevoeiro — em apenas um minuto a visibilidade tinha variado de ilimitada para meros 500 metros, o que para a decolagem desses grandes pássaros é muito pouco. 

Os controladores da torre não podiam ver nem a pista nem os aviões. O PAN AM seria o próximo a receber instruções para taxiamento e decolagem; ele chamou a torre e perguntou se deveria entrar na pista com o KLM ainda estando nela, mesmo que parado.

O controlador disse o seguinte: 

Afirmativo, entre na pista de decolagem e faça o seu táxi de forma a sair da pista na terceira pista de táxi à sua esquerda. 

Eram quatro pistas de táxi antes do final da pista. Os controladores alertaram as duas aeronaves à respeito da baixa visibilidade, informando que no momento variava entre 500 e 700 metros.

Naquela época, a visibilidade mínima para decolagem era de 750 metros, então, tecnicamente o aeroporto estava fechado para decolagens. 

Havia muita dificuldade de entendimento entre os pilotos e o controlador. O idioma falado entre os dois era o inglês, e isso apresentava algumas dificuldades reais de compreensão mútua.

 

Taxiando a certa distância do KLM, em meio ao denso nevoeiro, lá vinha o PAN AM, deslocando-se a meros 6 km/h.

Ao checar o mapa da pista do aeroporto, o copiloto percebeu que, para sair na terceira pista de táxi, eles teriam que fazer uma curva de mais de 90 graus para a esquerda, e depois outra, também bem apertada, para a direita, o que é bem difícil de ser feito com segurança em meio a um nevoeiro, e com um avião gigantesco.

O copiloto havia percebido que, contando-se a partir da pista de táxi em que estavam estacionados, se saíssem na quarta pista de táxi não fariam nem metade desse esforço.

E isso estava correto.

Ele então demonstrou isso ao comandante Grubbs, que concordou com o julgamento do colega, mas acabaram por seguir as instruções recebidas.

No meio do caminho, devido ao intenso nevoeiro, não conseguiam definir com clareza qual era a terceira pista de táxi.

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Até então nenhuma das duas aeronaves havia recebido o que é conhecido como Autorização de Tráfego, a aprovação de seu plano de voo, que deve ser obrigatoriamente recebida, copiada e repetida pelos pilotos “antes da autorização de decolagem”.

Ao fazer 180 graus e se alinhar com a pista, o comandante Van Zanten acelerou levemente os motores, dando a impressão de que iniciaria a decolagem. Nesse instante, o copiloto o alertou:

Comandante, aguarde um minuto, ainda não recebemos a Autorização de Tráfego – (na verdade, eles ainda não tinham nem a autorização de decolagem.)

Soltando os freios – O início da tragédia

Demonstrando claramente seu nível de stress com a questão do pouco tempo que restava em relação à “regulamentação trabalhista”, Van Zanten soltou os freios do grande  jato e iniciou a decolagem, enquanto o copiloto ainda estava anotando à Autorização de Tráfego.

Ele jamais poderia ter feito isso, pois simplesmente “não” estavam autorizados a decolar. 

Quando se recebe uma Autorização de Tráfego, deve-se repeti-la para o controlador, para que este tenha a certeza de que o piloto a compreendeu corretamente.

Ao terminar de fazer isso, já fazia “seis” segundos que a aeronave da KLM estava correndo pela pista, e o copiloto, ao repetir a mensagem recebida, emendou, dizendo que já estavam na corrida de decolagem.

O controlador entendeu que o copiloto havia dito que, tendo recebido e repetido a Autorização de Tráfego, eles estavam agora, “prontos” para a decolagem…, e disse:

OK, aguardem para a decolagem.

Ouvindo parte dessa comunicação entre o KLM e a torre, o PAN AM percebeu que algo poderia não estar certo, ficou alarmado, e disse para a torre:

Torre, nós ainda estamos taxiando pela pista!

O controlador não percebeu aquilo que o PAN AM Já havia percebido, mas também não tinha certeza, e respondeu:

Entendido, avise quando sair da pista.

— Ok, avisaremos – o PAN AM respondeu.

Acredita-se que todos a bordo do KLM tenham ouvido apenas o “OK”, e não a parte que dizia para aguardarem.

Isso talvez tenha ocorrido em função de duas pessoas estarem pressionando as teclas de seus respectivos microfones ao mesmo tempo, causando uma superposição de ondas de rádio, fenômeno extremamente comum em aviação. 

De qualquer forma, iniciaram a decolagem por conta própria, e informaram depois, o que nem de longe pode ser considerado um procedimento padrão e profissional. 

Enquanto o diálogo entre o PAN AM e a torre estava ocorrendo, o KLM já estava correndo na pista há 20 segundos (muito tempo), e os dois pilotos estavam altamente concentrados na decolagem com baixa visibilidade.

Naquele momento, só o engenheiro de voo do KLM havia prestado a devida atenção naquele diálogo. Ele percebeu que algo estava errado e perguntou aos pilotos:

Então ele não livrou a pista?

Os pilotos contraperguntaram:

O que você disse?

O engenheiro de voo repetiu:

O PAN AM não saiu da pista?

— Sim, ele saiu! — foi a resposta, e a decolagem prosseguiu.

Enquanto isso, o PAN AM havia perdido a terceira pista de táxi à sua esquerda, o que é altamente normal em meio a um denso nevoeiro, principalmente em aeroportos desconhecidos pelos pilotos. 

Nem eles nem o controlador da torre tinham a menor consciência de que em alguns segundos o PAN AM seria atingido pelo KLM. O comandante Grubbs sentia-se desconfortável por estar ao mesmo tempo na pista em que também estava o KLM e disse:

Vamos cair fora daqui.

O copiloto concordou:

É, parece que ele está bem ansioso — referindo-se ao comandante do KLM.

O engenheiro de voo do PAN AM fez o seguinte comentário:

 — Depois de nos atrasar bastante, ele agora está com pressa.

O desespero e o impacto fatal

Alguns segundos depois avistaram luzes em meio ao nevoeiro.

A princípio pareciam estáticas, mas depois de alguns instantes se intensificaram, e eles tiveram certeza de que vinham em alta velocidade em sua direção.

Grubbs gritou:

Lá está ele, olhe para ele, sai fora, sai fora!

E imediatamente acelerou todos os quatro motores do grande jato ao máximo tentando sair da pista o mais rapidamente possível, conseguindo girar a aeronave exatos 217 graus para a esquerda em relação à posição que estava antes de avistar o KLM, o que talvez tenha salvo muitos dos passageiros. 

Mas foi tudo em vão, já era tarde demais.

Na cabine do KLM o comandante Van Zanten só enxergou o PAN AM quando seu avião já estava quase em cima dele.

Em uma tentativa desesperada, ele puxou o manche para trás com violência, e com isso bateu com a cauda do Jumbo no chão, tentando fazer o avião passar sobre o PAN AM.

Devido ao peso extra do combustível que fora posto em seus tanques, o jato estava muito pesado, caso contrário, talvez tivesse sobrevoado o PAN AM com certa facilidade, pois, estando mais leve, ele teria atingido a velocidade de decolagem muito antes do ponto em que estava naquele momento, e provavelmente já estaria voando.

Para escapar da colisão, teriam que subir cerca de sete metros a mais…

O KLM bateu bem no meio do PAN AM, a quase 300 km/h. Seu enorme trem de pouso e seus quatro motores foram os primeiros a tocar a fuselagem do outro Jumbo, despedaçando-o em uma fração de segundos. 

O que sobrou do KLM ainda voou por mais alguns metros, e então caiu na pista, disforme e em chamas, alimentadas por muito, muito combustível. 

Houve sobreviventes?

Por incrível que pareça, a cabine de comando do PAN AM teve somente seu teto decepado e parte do piso arrancada, e os pilotos e o engenheiro de voo se salvaram.

Antes, porém, tomaram o cuidado de tentar desligar as turbinas, o que foi em vão, pois os cabos que ligavam os comandos da cabine aos respectivos motores haviam sido decepados, e os motores que haviam sido acelerados a plena potência antes do choque continuavam rugindo ferozmente. 

O copiloto pulou da cabine direto para o solo, sem auxílio de nada nem de ninguém. O comandante pisou em falso no pouco que sobrara do piso da cabine de comando e caiu direto sobre os assentos da primeira classe, recebendo a ajuda de uma comissária, e ambos fugiram junto com alguns passageiros, conseguindo escapar através de um buraco na fuselagem, que se “desmanchou” no chão momentos depois. 

Pouco depois, eles avistaram pessoas correndo para os destroços que queimavam furiosamente, mas não conseguiam entender nada. Eram os moradores das casas próximas ao aeroporto que corriam para ajudar.

Vizinhos do aeroporto tentando ajudar e sobreviventes fugindo das chamas

Os controladores não foram capazes de visualizar a colisão, só puderam ouvir uma série de explosões. Outra aeronave que estava no pátio viu um grande clarão, mas não foi capaz de dar a localização exata.

Os bombeiros foram acionados e, ao chegar ao local, viram um incêndio como nunca antes, só a cauda era visível, o resto era fogo.

Com o calor intenso, o nevoeiro se dissipou um pouco e puderam ver ao longe outro grande incêndio. Eles acreditavam que se tratasse de outra parte desse avião, mas, ao se aproximar do local, perceberam que se tratava, isso sim, de outra grande aeronave,totalmente destruída, e também em chamas.

Dada a sua magnitude, somente na manhã do dia seguinte o incêndio foi totalmente extinto. Todos os meios para lidar com aquela tragédia sem precedentes foram empregados. Todos os recursos disponíveis em Santa Cruz de Tenerife foram utilizados. 

Todas as 248 pessoas a bordo do KLM morreram no momento do choque; 317 passageiros e 9 tripulantes pereceram no PAN AM; 70 sobreviveram ao choque, entretanto, 9 destes, feridos, sucumbiram posteriormente. Os dois funcionários que haviam pegado uma “carona” tinham sido acomodados na cabine de comando e também sobreviveram.

Reconhecimento dos corpos, falta de caixões e ultimato do governo espanhol

A tarefa da identificação dos corpos foi tão gigantesca, que houve um acordo para que médicos patologistas espanhóis, holandeses e norte-americanos trabalhassem como uma equipe, realizando inclusive autópsias nos casos em que isso ainda fosse possível.

Na época ainda não existia o método de identificação de corpos por análise de DNA, a única possibilidade era a identificação pela arcada dentária.

Esse método também não pôde ser utilizado em função de um ultimato dado pelas autoridades espanholas. “Ou os corpos seriam retirados das ilhas em 48 horas, ou seriam todos enterrados em uma sepultura comum”. 

Também não foi possível arranjar tantos caixões de uma só vez nas Ilhas Canárias, por isso tiveram que trazê-los da Inglaterra e, assim, puderam transladar os corpos para a Europa e os EUA.

Causas do acidente

Nada menos que 70 investigadores de acidentes aeronáuticos dos três países envolvidos participaram das investigações. 

Como é comum nesses casos, houve muita troca de acusações, mas a maioria reconheceu a pressa e o descuido de Van Zanten como sendo o principal fator causador dessa tragédia. 

Várias foram as perguntas feitas, mas respostas satisfatórias levaram muitos anos até ser verdadeiramente compreendidas.

Algumas razões ainda não foram totalmente percebidas, e talvez nunca venham a ser.

Uma das questões mais intrigantes diz respeito ao fato de que o copiloto talvez estivesse ciente da irregularidade da situação, mas se deixara levar pelo sentimento de hierarquia e respeito total, absoluto e incontestável em relação à autoridade do comandante.

Talvez tenha ficado com medo de ser incisivo o bastante a respeito da irregularidade das ações de seu comandante, afinal, ele era o instrutor chefe da empresa.

“Talvez” tenha ficado com receio de expor um erro tão grosseiro de um piloto tão bem reputado como era Van Zanten, e então, “talvez” tenha pagado para ver. 

Há também muitas críticas à forma como foram realizadas as comunicações, o que só reforça a certeza de que, quanto mais dúvidas deixam as comunicações, mais certezas devemos exigir de nós mesmos e de nossos interlocutores, principalmente em aviação, principalmente quando estamos cansados e/ou com pressa.

Soube-se mais tarde que os controladores já estavam trabalhando há muito mais tempo do que deveriam, e também não tinham experiência no trato com aquelas aeronaves gigantescas, portanto, não tinham uma ideia correta da sua manobrabilidade nosolo.

Por essa razão em particular, deram instruções de taxiamento ao PAN AM que resultariam em curvas tão apertadas. 

Vale salientar que, naquela época, o Boeing 747 ainda era uma aeronave muito nova no mercado, e pouco conhecida em geral.

A sinalização de solo também não era tão eficiente como as que existem hoje em dia na maioria dos aeroportos internacionais.

O mundo era outro, e a uniformização de procedimentos de tráfego aéreo na Europa de então ainda não era uma realidade, gerando margem para muitas interpretações particulares por parte de todos os envolvidos. 

No intuito de agilizar as operações e minimizar os atrasos, os controladores também erraram ao permitir que duas aeronaves estivessem presentes ao mesmo tempo em uma pista cuja visibilidade havia sido altamente prejudicada pelo nevoeiro.

Grubbs e sua tripulação também têm sua parcela de “incoerências”. Muito embora não sejam os causadores principais da tragédia, também não foram tão assertivos em suas comunicações quanto se esperava que tivessem sido, porém, esse fato pode compreensivelmente ser creditado ao cansaço de um voo tão longo.

É inegável o declínio do desempenho e do estado de alerta de um ser humano quando está cansado, e voos longos drenam a energia de qualquer piloto. 

Os dois pilotos e o engenheiro de voo continuaram suas carreiras, dois deles até a aposentadoria.

Após esse acidente, várias modificações nos procedimentos de cabine foram feitas.

As comunicações foram alvo de muitos estudos, que por sua vez geraram uma gama de modificações e proibições do uso de certas expressões coloquiais.

A rigidez da legislação holandesa e a falta de uma “válvula de escape da regulamentação” em relação a determinadas situações como as que Van Zanten enfrentou foram alvo de inúmeras críticas.

Existia na época até um ditado informal entre os pilotos holandeses que dizia: “Se você trabalhar pouco será demitido, se trabalhar demais será preso”. 

A comissária de bordo que escapou de dois acidentes

Uma das comissárias que sobreviveram também continuou a voar, e por um capricho do destino, ou por pura determinação divina, escapou mais uma vez da morte a bordo de um Boeing 747 da PAN AM quando trocou um voo de sua escala com um colega.

Esse voo era o 103, que decolou de Londres com destino a Nova York em dezembro de 1988 (11 anos depois do ocorrido em Tenerife), um dos muitos da PAN AM a terem sido alvo de um atentado terrorista, que explodiu no ar e caiu sobre a pequena cidade escocesa de Lockerbie, quando morreram 270 pessoas entre ocupantes do avião e moradores.

Uma curiosidade, para não dizer uma coincidência nefasta. Ao lado do aeroporto passa uma estrada conhecida como Camino del matadero — Caminho do matadouro.

Texto parcialmente extraído do excelente livro “Na Cabine de Comando” do autor e piloto Márcio Branco. Editora Novo Século

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